26 de abril de 2010


Nina sempre foi dada a algumas manias, dizia que elas organizavam a sua vida e a ajudavam  a se sentir estranhamente bem:

Mania de listas. Mania de diários. Mania de colecionar. Mania de fazer drama. Mania de criar situações engraçadas em momentos inoportunos. Mania de estalar os dedos. Mania de se olhar no espelho enquanto chora. Mania de mandar beijo. Mania de cumprimentar estranhos. Mania de cantarolar. Mania de imaginar situações. Mania de anotações.

Mas a mania mais peculiar que Nina tinha, e que só ela conhecia, era a mania de tentar não pensar em coisa alguma. Mas que mania difícil! Todas as tentativas resultavam num grande fracasso! Era sempre a mesma história: ela se fechava em seu quarto, apagava as luzes, sentava no chão e dizia para si "agora não vou pensar em coisa alguma" . Mas em todas as tentativas, ou ela dormia no chão, ou algum pensamento aparecia e ela logo pensava em como parar de pensar naquilo. Situação difícil para quem não quer pensar. Como parar de pensar em algo, sem pensar em como parar?

A admiração que Nina tinha por monges, era, na verdade, uma inveja escondida, sabe por quê? Certa vez um amigo próximo, disse que os monges tinham a capacidade de não pensar em nada. Isso a incomodou na mesma proporção que os cantos guturais dos músicos de Tuva, como podia ser possível? Será que suas tentativas sempre fracassavam por ela não acreditar na possibilidade de não pensar em nada?

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Nina estava cansada, exausta, cheia de pensamentos, pensou na aula de quarta, pensou na cena peculiar que presenciou na faculdade, pensou no passado, pensou na sua mãe e finalmente, pensou nas buganvílias:


*"as mulheres são complicadas. Homem é tão singelo.
Eu sou singelo. Fica singela também.
Respondi que queria ser singela e na mesma hora,
singela, singela, comecei a repetir singela.
A palavra destacou-se novíssima
como as buganvílias do sonho. Me atropelou.
— O que que foi? — ele disse.
— As buganvílias...
Como nenhum de nós podia ir mais além,
solucei alto e fui chorando, chorando,
até ficar singela e dormir de novo"

Nina queria ser singela.
Após pensar nas buganvílias, pela última vez, tentou não pensar em nada.


*Trecho extraído da poesia "No meio da noite" - Adélia Prado. (again)

25 de abril de 2010

Explicação sem ninguém pedir




Não abandonei o blog.

Atualmente, estou dividida entre a minha dupla jornada acadêmica, trabalhos, monografia, apresentações, provas e em procurar decoração, fotógrafos, flores, convites, comidinhas, músicas e tantas outras coisas que um casamento engloba. Sim, vou me casar. Foi tudo muito rápido e intenso, em duas semanas estávamos namorando, em um mês decidimos que iríamos nos casar e em 5 meses de namoro ele me pediu em casamento oficialmente. Agora estou noiva e faltam alguns meses para me casar. Por isso deixo aqui uma poesia bem conhecida da Adélia, cujo título é "Casamento":

Casamento

Adélia Prado


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.