2 de agosto de 2010

Pintura

as marias-sem-vergonha se enfileiram na janela
vermelha-laranja-amarela-verde-azul claro- azul escuro- roxo
contemplam o céu estrelado e a lua minguante
as cores se desprendem delas e formam um arco-íris esfumado
o brilho da lua ilumina a madeira do parapeito


que mistério há nas palavras que conseguem mostrar o que o olho não sabe contemplar?

23 de maio de 2010

Menina

Ela é pura confusão, seus caminhos desviam da alma- não se deixam compreender.


Tem o peso da idade que não completou, viveu o que não chegou e passou ao largo do que era pra ser- sempre quis mais do que podia na hora exata que decidia ter. Ela é velha para a idade do corpo- não por que sofreu além do que a mente aceita, mas as situações que passou lhe bastaram diante da sua sensibilidade fina.

Ela pensa que aprendeu e diz que vai mudar. Mas tudo se repete. E no final, ela sempre volta pro mesmo lugar.

Seus olhos cospem o que sente: não consegue disfarçar. Se fica nervosa, fala alto, grita, chora e ofende. Reações de alguém, que tem vergonha de mostrar a fragilidade que está estampada lá- na sua auto-estima. Mas vejam só- ela é ela sem se justificar.Tem personalidade. Sabe ser e sabe estar. Só lhe falta uma alegria que só a estima poderia lhe proporcionar- a certeza que está bem onde está.

Ela é solta, é toda sentimento e é bela. Ela come com o coração e não se cansa de sonhar.

26 de abril de 2010


Nina sempre foi dada a algumas manias, dizia que elas organizavam a sua vida e a ajudavam  a se sentir estranhamente bem:

Mania de listas. Mania de diários. Mania de colecionar. Mania de fazer drama. Mania de criar situações engraçadas em momentos inoportunos. Mania de estalar os dedos. Mania de se olhar no espelho enquanto chora. Mania de mandar beijo. Mania de cumprimentar estranhos. Mania de cantarolar. Mania de imaginar situações. Mania de anotações.

Mas a mania mais peculiar que Nina tinha, e que só ela conhecia, era a mania de tentar não pensar em coisa alguma. Mas que mania difícil! Todas as tentativas resultavam num grande fracasso! Era sempre a mesma história: ela se fechava em seu quarto, apagava as luzes, sentava no chão e dizia para si "agora não vou pensar em coisa alguma" . Mas em todas as tentativas, ou ela dormia no chão, ou algum pensamento aparecia e ela logo pensava em como parar de pensar naquilo. Situação difícil para quem não quer pensar. Como parar de pensar em algo, sem pensar em como parar?

A admiração que Nina tinha por monges, era, na verdade, uma inveja escondida, sabe por quê? Certa vez um amigo próximo, disse que os monges tinham a capacidade de não pensar em nada. Isso a incomodou na mesma proporção que os cantos guturais dos músicos de Tuva, como podia ser possível? Será que suas tentativas sempre fracassavam por ela não acreditar na possibilidade de não pensar em nada?

------------------------------------------------------------------------------------------------------

Nina estava cansada, exausta, cheia de pensamentos, pensou na aula de quarta, pensou na cena peculiar que presenciou na faculdade, pensou no passado, pensou na sua mãe e finalmente, pensou nas buganvílias:


*"as mulheres são complicadas. Homem é tão singelo.
Eu sou singelo. Fica singela também.
Respondi que queria ser singela e na mesma hora,
singela, singela, comecei a repetir singela.
A palavra destacou-se novíssima
como as buganvílias do sonho. Me atropelou.
— O que que foi? — ele disse.
— As buganvílias...
Como nenhum de nós podia ir mais além,
solucei alto e fui chorando, chorando,
até ficar singela e dormir de novo"

Nina queria ser singela.
Após pensar nas buganvílias, pela última vez, tentou não pensar em nada.


*Trecho extraído da poesia "No meio da noite" - Adélia Prado. (again)

25 de abril de 2010

Explicação sem ninguém pedir




Não abandonei o blog.

Atualmente, estou dividida entre a minha dupla jornada acadêmica, trabalhos, monografia, apresentações, provas e em procurar decoração, fotógrafos, flores, convites, comidinhas, músicas e tantas outras coisas que um casamento engloba. Sim, vou me casar. Foi tudo muito rápido e intenso, em duas semanas estávamos namorando, em um mês decidimos que iríamos nos casar e em 5 meses de namoro ele me pediu em casamento oficialmente. Agora estou noiva e faltam alguns meses para me casar. Por isso deixo aqui uma poesia bem conhecida da Adélia, cujo título é "Casamento":

Casamento

Adélia Prado


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.



12 de março de 2010

Ví uma menina que passa
Como quem dança na esquina
E colore as praças
Solta e leve

Refresca o dia
Com seu ar de menina
E tudo em volta se alvoraça
Muda e some
Quando ela passa

No espelho do olho da menina
Ví os sonhos de uma
Mulher que disfarça
Mas morre de vontade
De voltar a ser uma menina que passa
Cheia de graça

26 de fevereiro de 2010

"Luz das estrelas, laço do infinito, gosto tanto dela assim..."



A Andréia sabe falar, ou melhor, sabe contar, tem histórias a beça, antes quando escutava ela contando das coisas da vida tinha vontade de um dia falar igual a ela, mas nunca fui a pessoa mais eloquente, aliás, as vezes sou bem tímida, coisa que a Andréia não é. Ela gosta de dançar, igual eu, direto ela me rodava num forró até suar e depois agente se abraçava e caia numa gargalhada. É daquelas baianas fortes que não levam desaforo pra casa,vive me dizendo : Se eu pego alguém fazendo alguma coisa pra você...aaa mais eu pego..Ela diz que tem gente que fala ou faz certas coisas pra mim porque eu fico quieta, eu digo que se eu fico quieta é porque não vale a pena responder e ela retruca que não mesmo, é melhor dar uns tapas duma vez, e agente da risada disso. Ela vivia falando - Quel, vamos viajar essa costa inteirinha! Quero um amor em cadaa porrtoo!
 É engraçado, ela me apresenta para os outros como a irmã dela e eu a apresento como minha irmã. E sabe que ela é mesmo? Ela já ta decorada em mim, e eu nela. Sou feliz por conhecer a Andréia.

7 de fevereiro de 2010

6/2/2010

Hoje lí um livro que relata experiências autobiográficas da artista Sophie Calle, esse mescla as histórias com algumas fotografias que remetem às situações narradas.
É impossível ler esse livro sem lembrar de alguns episódios, bizarros ou não, que vivenciamos. Lembrei-me de alguns fatos que já aconteceram comigo e os escrevi, agora vou contá-los, não todos, em episódios:

Episódio da memória

Isso ocorreu quando meus avós ainda moravam em Potirendaba, eu devia ter uns 8 ou 9 anos, estava sozinha no quintal e olhei para o varal preenchido de roupas e lençóis que balançavam com o vento. Naquele momento, pensei em como a memória é traiçoeira conosco, as vezes esquecemos de coisas tão boas e lembramos de outras tão doloridas. Porém, naquele dia resolvi dar um golpe nela, decidi observar e guardar para sempre na minha mente aquele varal, com aquelas roupas e lençois, naquele ambiente.Hoje, 11 ou 12 anos se passaram e ainda lembro daquele varal e da minha decisão de superar a memória.


Episódio da vergonha

Quando estudava na FAAP conheci o professor J., logo de cara nos demos muito bem, tínhamos interesses parecidos e eu sabia lidar bem com o gênio forte dele. Um dia ele me presenteou com um curso de "História pela Música Popular Brasileira"  na faculdade ESPM. No primeiro dia do curso cheguei super atrasada, pois não sabia o caminho direito e me perdi. Quando entrei na sala, todos me olharam e o J., super indignado  e ofendido com o meu atraso, me apresentou e os apresentou da seguinte maneira:
- Essa é a Raquel da FAAP, super atrasada. Esses são os alunos da ESPM, bem mais legais e muito mais educados do que o pessoal da FAAP! Agora pode se sentar.
A partir daquele dia nunca mais me atrasei.


Episódio da cadeira

Este ocorreu num dia importante para a faculdade, o embaixador de Não-Lembro-Qual-País foi ministrar uma palestra para os alunos do curso de RI e lá fomos nós, eu e a minha amiga, pouco interessadas no curso e muito interessadas no nosso novo projeto: camisetas com estampas de legumes. Estávamos tão empolgadas, que só falávamos disso. Quando chegamos ao local da palestra, antes de começar, conversamos com um rapaz do nosso lado sobre a nossa idéia, e ele obviamente deu risada da idéia extravagante que tivemos e também um balde de água fria, ficamos acuadas e nos calamos para assistir a palestra boring. No meio da palestra, quando já estávamos no décimo cochilo, o rapaz do nosso lado levantou para pegar algo na cadeira da frente, mas não reparou que quando ele levantava, a cadeira que estava sentado também erguia, isso resultou no rapaz sentando em falso e eu tentando pegá-lo. A situação foi cômica, não a queda do rapaz ( tá, foi um pouco), mas todo o esforço e o grito que dei para ajudá-lo. A partir daquele momento não conseguimos mais parar de rir e de nos desculparmos pelas risadas constrangedoras para o rapaz. Até que uma hora, numa explosão de riso, dei um grito de riso contido muito alto e o ex-ministro Rubens Ricupero olhou de cima do palco para mim. Nesse momento não tinha mais jeito, levantamos de umas das primeiras fileiras e tivemos que deixar o local, no meio da palestra.

3 de fevereiro de 2010

Língua (Caetano Veloso. Velô,1984)



Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões.
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa,
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade.
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua,
“Minha pátria é minha língua”
-Fala Mangueira!

Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?

30 de janeiro de 2010

12 de janeiro de 2010

Fragmentos do livro "A eternidade e o desejo" de Inês Pedrosa



"O que se vê nunca se pode narrar com rigor. As palavras são caleidoscópios onde as coisas se transformam noutras coisas. As palavras não têm cor- por isso permanecem quando as cores desmaiam"

"Conheceu Deus o seu ser, a sua grandeza, a sua infinidade, a sua omnipotência; e o parto que saiu deste imenso conceito de si mesmo, foi outro ele; outro mesmo foi e é o Verbo, tão grande, tão imenso, tão infinito, tão omnipotênte, tão Deus como o mesmo Pai. A imagem mais perfeita, a proporção mais ajustada, e a medida mais igual da obra, é o conhecimento de si mesmo em quem a faz"

"E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isto, que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância; e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama porque conhece, é amante; quem ama porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem ignorando ofendeu, em rigor não é delinquente. Quem ignorando amou, em rigor não é amante"

10 de janeiro de 2010

Impulso



Foi no dia da preguiça, de quem cansou de procurar, que ele me olhou de soslaio e chegou com aquele impulso solto, que só quem sente sabe o que é, coisa de dentro, passo de fé. Derrepente se fez muito: encheu de canto os meus cantos, me deu suspiros sortidos, abraços distribuídos -Ê coisa boa que perdura. Não cobrou fatura, me ama sem pesar e sem gastura. Não é daqueles amores que param por desgaste, maltratam ou enjoam (efeitos todos de paixão que sofre calada, explode pra dentro, paixão que esquece de quem gosta, rasga os defeitos, se camufla e vai embora igual chega: rápida, mágica e trágica).  
Só que agora,  penso nele toda hora, como quem respira e senta. Satisfeita me contento bem contente. Me embala a nova melodia de sinos de alegria, que invadiu meu lar, em forma de um par.

8 de janeiro de 2010

Malva

Texto feito no dia 4/12/2009

Foi em alguma de suas tertullias que Malva percebeu sua solidão, entre algumas pessoas notou o quão sozinha era. Sempre fora rodeada por amigos, mas sentia que desaparecia entre a multidão que a cercava, que chamava seu nome mas não a conheciam e não sabiam da sua história. Sentiu-se só não somente  de pessoas, mas de sí. Percebeu que não descobrira-se, não sabia identificar seus sentimentos e as vezes se enganava tanto, que acreditava em suas próprias mentiras. No silêncio tentava fugir de sí, nunca parou para se observar e sentir seu corpo, nesse momento, ou colocava uma música, ou lia um livro ou ligava para alguém. O seu eu tentava confrontá-la,  mas ela se fazia surda para não escutá-lo.
Porém, quando descobriu essa solidão, pensou pela primeira vez na relação que tinha com o corpo que habitava e questinou se seria tratada de maneira diferente pelas pessoas se tivesse outro corpo e fosse um pouco mais baixa ou mais gorda. Também se questionou sobre o que realmente a deixava triste, porque as vezes mascarava um motivo de tristeza e o escondia, pois acháva-o tolo demais para ser considerado e também pensou no que realmente a deixava feliz.
Ficou alguns minutos repetindo o seu nome com os olhos fechados malva, malva, malva, malva, malva, e sentiu como se puxassem sua alma pela boca.
Passou as mãos no rosto e sentiu o formato do nariz, a concavidade dos olhos, a textura da sua pele, sua boca, o formato do queixo, as suas saliências e escutou sua respiração.
Pensou na infância e tentou resgatar desta o que contribuiu para que ela fosse ela, perguntou-se se seria a mesma se tivesse sido criada em outro ambiente e por outras pessoas, questinou sua essência, ela por acaso mudaria?
No dia que Malva ficou sozinha, ela gerou a Malva, que fez companhia para a Malva, até então sozinha.