30 de novembro de 2009

Sinto falta de Emília

Nesse albúm de retratos
Espaço, tempo e sorriso marcados
Emilía tá lá
Emília vem cá
Emília meu lar

Agora não vejo nada além do mar
Nem a linha que delimita o céu
Nem o sol que se esconde
Nem a sombra da lua
Nem o barco de pesca
Nem a carta de Emília

Contemplo só o que a vista alcança
Reparo no que o coração pede
Se tenho sede
A sede não é de mar
Nem de lágrima
É de amar,
Emília , volta pra cá?

26 de novembro de 2009

As voltas



Saí para onde era o dentro de alguns
Gritei no abafado do barulho
Sorri pra chorar depois
Fui diferente na enchente de diferenças semelhantes
Corri pro lugar de quem foge
Sonhei com o que já foi e vai ser de novo
Repeti alguém de alguém que será de alguém
Escondi o que foi escondido e achado
Fiz com o que já foi feito
Usei a matéria prima da matéria prima
Destruí pra reconstruir
Olhei e fui olhada pra depois esquecer o que olhei

E de todas as voltas que dei, alguma restou
não voltou e nem tornou
e então entendi que ficou o que será, virá e assim como essa tola rima, permanecerá.

23 de novembro de 2009

Apagar-me

Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.
 
Paulo Leminsk

18 de novembro de 2009

De repente


Para o Daniel.


Numa hora solúvel
Num Repente
Veio.
Senti na pele
o minuto que juntou
o instante ao acaso.

Circunstância e necessidade
casaram sem cerimônia
ao pé duma árvore.

O que era talvez
Momento não escolheu
Pra ficar
Pra fincar
Coração de susto, estacou
e você ficou.
O vento soprou com a sorte
fizeram da semente:
Flor.

O que então era gris
tingiu de anil.
O céu não acaba.
Dura tudo que tem raiz.

Raquel Costa

17 de novembro de 2009

Prelúdios poéticos

No1

No manto lento
Do teu canto
Acalanto.

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No2

Quizá verás
num mar distante
refletidos
no espelho de lua que suspira
los sueños que cabem na nossa sorte
sortidos de espumas cristalinas

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No3

As sépalas
me guardaram
até então
aparecerem
exornarem
o jardim:
as pétalas.

15 de novembro de 2009

Sobre memória.

Hoje tive uma palestra ministrada pelo Prof Jair Rubens de Moraes sobre "Memória e Patrimônio cultural", ele falou da relação da memória com a nossa identidade, sobre memória coletiva, subjetiva, a relação do mundo atual com a memória e por fim a relação desta com o patrimônio cultural.

Segundo o Prof Jair, na Grécia antiga, a memória era vista como algo sobrenatural, uma dádiva dos deuses, era despertada pelas Musas, filhas de Mnemosine, a deusa da memória. Hoje ela também possui um valor quase que sagrado por ser a mais profunda relação que temos com o tempo, pois ele nunca há de passar quando gravado nela, é uma evocação do passado, é a nossa capacidade de guardar coisas agora para lembrarmos no futuro e além disso, ela é o que constrói nossa identidade, somos o que lembramos e somos uma somatória de experiências, o "quem sou eu" muda toda hora pois nos criamos por meio da memória.

No mundo atual, a memória é predominantemente artificial, isso é, utilizamos de métodos, objetos, computadores, celulares para  lembrar-nos das coisas, além disso, somos constantemente atiçados a ter o novo, descartamos tudo com facilidade, portanto, estamos cada vez mais nos desmemoriando. Sem a memória, não nos respeitamos, há pessoas que são capazes de conviver anos com uma dor porque simplesmente esqueceram que antes não a sentiam, é como se já fizesse parte delas, ou então, há aqueles que esquecem o mal que já lhes foi causado em determinada situação e voltam a repeti-la.

Assim é com a cidade, quando se tira a identidade e memória desta, as pessoas não se identificam com ela e portanto não a respeitam, a importância dos patrimônios culturais é que eles fixam nossa memória, e por meio deles criamos laços sensíveis com o ambiente externo. As pessoas andam na cidade como se fossem estrangeiras, já não encontram mais aquilo que fez parte de suas histórias, aquele cenário já não lhes faz nenhum sentido, não há relação alguma entre elas e o ambiente que vivem, portanto não há cuidado com ele.

Isso de construir uma relação com o externo lembrou-me do projeto Aprendiz do Gilberto Dimenstein, ele criou uma escola a céu aberto, levou as pessoas de determinada comunidade às praças para plantar árvores, grafiteiros para pintar muros sujos, transformou becos, onde rodavam drogas, em locais para se promover arte, tudo isso teve um impacto tremendo no bairro, as pessoas criaram laços com o ambiente e dessa maneira passaram a respeitá-lo.

13 de novembro de 2009

A instrução dos amantes - Inês Pedrosa

Esses dias terminei de ler "A instrução dos amantes" de Inês Pedrosa, conhecia pouquissímo sobre essa escritora portuguesa e não sabia muito além de que é portuguesa e escritora. Confesso que me surpreendi com o romance, é de uma delicadeza minuciosa e além disso fala sobre os conflitos da adolescência com muita maturidade.
 Todos os livros que leio, salvo raros, são sublinhados, gosto de marcar as frases que marcam o instante da minha leitura, pois volta e meia retorno a folheá-los somente para reler as frases e ver se elas ainda fazem tanto sentido como faziam na época que as destaquei. Segue abaixo algumas frases desse livro que me tocaram:

"As viagens são pretexto desse medo maior que é o de não podermos fugir de nós. Viaja-se como se dorme"

"Não soube quantas horas ficou sentada naquela rocha, porque subitamente o tempo aparecera para apagar os traços domésticos da existência. Perdeu o domínio do mundo e sentiu-se embriagada por um riso estranho, interior, que não tinha qualquer relação com o seu velho hábito de rir"

"E sentia a voz longínqua o avô Matias, pedindo-lhe que não exigisse respostas humanas para o que não é humano"

"O sublime cintila no centro da vulgaridade"

Boa leitura!

11 de novembro de 2009

Quem sou eu?

Muitas pessoas já vieram me questionar a respeito do "quem sou eu", que apresenta uma descrição minha sob minha ótica. Hoje, relendo-o confesso que o achei um tanto vulgar. Utilizarei esse post para dar alguns esclarecimentos a respeito deste, as explicações virão na ordem exata de importância que dou a elas e não na que segue o texto abordado.
O julgar-me uma "das últimas românticas do meu tempo" é um tanto vaidoso e transparece um sentimento obtuso de excepcionalidade, essa  frase de caráter sentimental foi utilizada para florear o texto e também para mostrar um pouco da minha personalidade patética, mas confesso que fui falha na sua aplicação.
O fato de dizer que enjôo rápido das coisas não significa que sou leviana,  até porque não classifico as pessoas como coisas, nem quer dizer que trato os objetos materiais que possuo com descaso, pois sei lhes atribuir o seu devido valor imaterial, que é o esforço mês-a-mês para pagá-los. O "enjoar rápido das coisas" se aplica ao incontável número de atividades que já comecei e não terminei por intolerância a repetição fatigante destas, posso citar algumas aqui: Handball, dança de salão, hóquei, ballet, jazz, piano, violão, futsal, escalada...
Apesar de ficar implícito no texto, pelo recurso estilístico utilizado, que a Ella Fitzgerald é a minha cantora preferida, ela não é. Admiro muito a capacidade que tinha de realizar aqueles bebops com tamanha perfeição, a afinação e o timbre, mas há outras que aprecio tanto quanto ou até mais.
O "ser momentânea" é bem abrangente, no meu caso se aplica ao fato de que as minhas ações são inúmeras vezes induzidas pelas emoções, e por conta disso são bem transitórias. Por isso, acredito que a frase que melhor me definiria e se aplicaria a quaisquer outras pessoas  é a  do texto Reflexo - "Sou assim como me vê, mas não fixe essa imagem, pois tudo passa, e essa que é hoje, amanhã poderá ser outra, que depois de amanha será outra, e outra, e outra, outra.".O que somos além do que acreditamos e do que os outros acreditam que somos? Sob qual ótica podemos nos definir? Não seremos incontáveis "eus" ?


Quem sou eu

Raquel Costa
São Paulo, SP

Sou mulher e não me gabo disso pois "o que não é consequência de uma escolha não pode ser considerado nem mérito , nem fracasso", tenho 19 anos, nascida em São Paulo e criada na ponte São Paulo/Cambury. Gosto de gente simples, gente complicada, música, artes, literatura e de viajar. Sou uma das últimas românticas do meu tempo e acredito no amor, isso faz parte da minha personalidade anacrônica. Sinto muito frio na ponta dos dedos e para aquecê-los só com o calor do secador de cabelos ou assoprando. Tenho saudades de um monte de coisa que não aconteceu e de pessoas queridas. Enjôo rápido das coisas. Nunca fui à Bahia mas morro de vontade de ir. Já usei aparelho fixo. A voz da Ella Fitzgerald me fascina. Gosto de novelas. Não como ostras. Não gosto de ir ao cinema com namorado e talvez tudo isso mude um dia pois sou extremamente momentânea.

6 de novembro de 2009

Ode à simplicidade.

Mãezinha embala o filho na rede
Com cantiga de mar
Ói, o menino ta dormindo, aproveita que é agora
A hora de limpar.
Faz almoço pro benzinho que já já vai chegar
Passa a roupa, limpa o canto, lava o pinho
Estica o manto, pra de noitinha ela amar.

Paizinho sai de dia
Quase a madrugar
Um café bem passado
Não esqueça: a marmita
E cuidado pra não esfriar
Agora deixa de bobeira
Dê-me logo um beijo
E vá trabalhar!

Menino acorda todo acordado
muleque espevitado, arretado
seu troço de diabo!
Tá bonito que só,
Olha lá, teve a quem puxar..
Bota chinelo no pé!
Cuidado pra não resfriar!

O dia de festa ta chegando
Vai ter o maior arráiar!
Mas pra que empolgação?
Se as simplicidades são nosso grande comemorar?

4 de novembro de 2009


A juventude pode ser comparada à torrentes de água de uma cachoeira, não cessa em quantidade nem em movimento. Correm de um lado para outro e se exasperam por quaisquer coisas conhecidas ou ainda desconhecidas que podem lhes sobrevir. Tudo isso em vão, pois aqueles que têm alguma experiência considerável de anos, sabem que as emoções não mudam destinos e que o acaso é que é o maior culpado dos tantos improvisos da vida. Mas o que se pode fazer para fazê-los entender tal cousa? Nada, os poucos anos por eles vividos não são suficientes para que a razão lhes sobreponha os anseios emocionais. Dizem que jovem vira homem quando a sua visão alcança dois palmos de tempo à sua frente e quando a face com acne é substituída por alguma beleza antiquada, pode até ser, mas a tudo isso, acrescentaria um pouco de siso, astúcia e bonança.

Raquel Costa
 Imagem: Joan Miró. Mètamorphose. 1936.