A bíblia relata muitos milagres de Jesus, mas as experiências mais marcantes da sua trajetória e que mais nos ensinam algo, são aquelas que ocorreram por meio de um diálogo, um toque, um exemplo, uma história e outras atitudes que não são miraculosas , mas que foram totalmente tranformadoras e proporcionaram as mais profundas experiências religiosas. Como, por exemplo, a conversa que teve com a mulher samaritana junto a um poço ou o toque no leproso, ambas as situações devolveram a identidade dessas pessoas, ou o sermão do monte, as parábolas, ou quando lavou os pés dos discípulos e todos os outros ensinamentos.
Várias vezes esperei algum acontecimento miraculoso como resposta às minhas inquietações. Algo do tipo- "se aquela pomba pousar no poste, quer dizer que tal coisa vai acontecer", ou de buscar situações que me sensibilizassem para "entrar em contato com o divino".
Mas as experiências mais marcantes que tive, não aconteceram em um ambiente que instigasse o meu emocional, não dependeram de situações que o acaso possa interferir, não foram transmitidas por pessoas influentes, não foram miraculosas e tampouco grandiosas. Pelo contrário, aconteceram nos lugares mais inusitados, com pessoas que não tinham pretensão alguma de mudar a minha vida e quando eu menos esperava.
Uma delas foi ao ler a história infantil "O cavalo e o menino", de C.S. Lewis. A leitura toda constituiu uma experiência religiosa que me ensinou muito sobre a soberania de Deus e a maneira como trata cada pessoa como um ser único. Pude perceber por meio da personagem Shasta que o valor e a identidade da pessoa não se constitui nos seus feitos, na sua capacidade intelectual e nem nas experiências por ela vivenciadas, mas na própria humanidade. Pois Deus é apaixonado pelo o que somos e não pelo o que fazemos. Antes de nos ensinar, Ele nos ama. Antes de ter um relacionamento conosco, Ele nos ama. Ama incondicionalmente.
Outra experiência marcante que me ensinou exatamente a mesma coisa (as vezes precisamos re-aprender algo diversas vezes) aconteceu em uma época em que estava fazendo uma faculdade da qual não gostava, não sabia o que queria da vida e tinha terminado um relacionamento longo que abalou profundamente a minha autoestima. Nessa época, fui ao centro da cidade com uma amiga comprar uns tecidos e lembro que estava me sentindo triste e esquecida por Deus.
No meio da loja de tecidos, aconteceu algo inusitado, uma faxineira que passava do nosso lado enquanto escolhíamos o tecido, pegou a minha mão, olhou nos meus olhos e disse " Deus te ama, você é linda". Isso me envolveu como se fosse um abraço de Deus. As palavras "você é linda" não soaram como um elogio a minha aparência exterior, mas tiveram o seguinte significado: "eu te amo independente do que você faça, eu te valorizo e eu a amo do jeito que é ". E não digo que foi Deus falando através daquela mulher, mas a fala dela veio exatamente no momento em que precisava ouvir isso e produziu em mim uma experiência religiosa.
Gosto da maneira como Deus trabalha na vida de cada um. Ele é bem detalhista e pessoal. Por isso acredito que para perceber esses detalhes e vivenciar experiências religiosas, é necessário aguçar a sensibilidade e seguir ao pé da letra a epígrafe do livro "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago- "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." .