30 de outubro de 2009

Rédeas


Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!
Fernando Pessoa

Usa aspas pra disfarçar
Com um sorriso mascarado
Pra mulher alguma duvidar
Tira partido
Se enrola no umbigo
E foge sem lar

Coração da moça fica assim:
Todo desarmado
Por causa desse desalmado
Leva tempo pra sarar
Pede luto
Bem sozinho
Até enfim se recuperar

Depois do tempo de afobada
Pinta o rosto
Se alivía
Esquece a mágoa
É hora de comemorar!
Incendeia o coração
Sai pra rua e vê a lua
Agora sim,tudo vai clarear

Felicidade é pra quem vive
E isso, ela sabe
Organiza sua revolução
Desata os nós da paixão
Dança sem parar
Come o que quiser
Ajuda sem pensar
E corre quando quer!

Sabe o tanto que vale um vintém!
Pipoca de rua e cerveja gelada
Quem já experimentou?
Bom pra economizar!
Não gasta tudo o que têm.

Os amigos?
Seus segredos repartidos
Choros, risos e avisos
Sabe bem como amar
Aprende a viver sem seu par.

Já de noite deita mansa
Numa caixa de lembrança
Reza um pouco, bem baixinho
Agora é hora de sonhar.

Raquel Costa

28 de outubro de 2009

Orquestra comilômica.


Num louvor à comilança, a cozinha se confunde com uma orquestra bem harmônica e promove um culto aos sabores. As colheres e os garfos metálicos tilintam embalados pelo vento que entra pelas janelas abertas, a panela de pressão imita o barulho de um trem, os passos apressados em satisfazer as fomes, improvisam um solo no solo, que segue toda progressão harmônica, e os burburinhos de algumas efemeridades faladas se confundem com o compasso de colcheias exatas de cada batida da faca na madeira ao cortar a cebola em mínimos quadradinhos, a contagem destas, poderia ser comparada a um metrônomo com 96 batidas por minutos. A parede nostálgica, de azulejos azuis e brancos está repleta de pequenos brilhos cristalinos, causados pelas micro-bolhas-flutuantes que saem da erosão de água com tempero dissolvido . No fogão, as labaredas fazem dos pedaços crus uma explosão de cheiros, estes envolvem e unem os presentes num uníssono coral de gentileza à criatura que prepara as delícias que irão satisfazer as suas vontades carnais.
Sentam-se nas cadeiras e apóiam os braços na mesa, púlpito dos manjares e das discussões calorosas, e então numa comunhão de paladares, compartilham um único alimento feito a partir da mistura de algumas matérias primas e preparado por alguém que soube, com maestria, combiná-las e cozinhá-las. Bon appetit.

26 de outubro de 2009

Descomedido


É tanto, que sufoco meu pranto
pra te ver sorrir

É tanto, que almejo uma vida
que nasce de ti

É tanto, que me entrego sem freio
ao seu abraço derradeiro

É tanto, que dói sem querer
e dissipa ao te ver

É tanto, que ensurdece tudo em volta e cala em mim
só para te escutar

É tanto, que cega os seus defeitos
os seus desfeitos e a minha mágoa

É tanto, que abracei sem medo
a sua casa, suas manias e os sobejos

É tanto, que afoga o desejo
É tanto, que afoba meu peito
É tanto, que foi maior do que minha prece
Foi tanto, que a gente não esquece.

Raquel Costa

23 de outubro de 2009

DDA, SEM H

Nunca cometo o mesmo erro duas vezes, já cometo duas, três, quatro, cinco, seis, até esse erro aprender que só o erro tem vez
Paulo Leminski


DDA ou DDAH, no meu caso é o DDA sem H, constatado por alguns testes, e sem H pelo fato de que consigo me sentar e ficar horas lendo um livro em absoluto silêncio ou ter uma conversa sem atropelamentos. Mas chega de falar em siglas, o DDA significa Déficit de Atenção e o DDAH, Déficit de Atenção com Hiperatividade. O Déficit de Atenção ou é genético, ou ocorre por problemas no parto ou é resultado de alguma situação traumática, no meu caso é genético.

Ontem, contei para uma colega de trabalho algumas situações que já passei por conta dessa falha na atenção e isso nos rendeu um almoço um tanto engraçado. Vou compartilhar com vocês também o que essa deficiência pode provocar:

Lembro que na minha infância, os agasalhos não duravam mais de um mês no armário, para loucura da minha mãe, os esquecia na escola, no parque ou em qualquer outro lugar que fosse. Todo fim de ano, tinha “uma exposição” de todos os utensílios do armário dos “achados e perdidos”, e ficava difícil carregar pra casa tantas coisas acumuladas durante o ano. Agora não são mais agasalhos, mas para minha infelicidade, são bolsas, comandas, carro no estacionamento, documentos, cadernos...

As situações mais embaraçosas aconteceram com desconhecidos, como por exemplo, quando comprei algo e, para o desespero dos vendedores, esqueci de pagar na hora, mas pior que isso, foi às vezes em que paguei e me esqueci de pegar o que comprei! Pode acreditar.

Já ocorreu, algumas vezes, de chamar a galera pra um churrasco e de no dia...Todos ficarem para fora esperando a anfitriã! Esquecida e distraída, claro. Ou então, de marcar vários programas no mesmo horário e comparecer a outro que não estava na agenda! Ainda bem que as pessoas que convivem comigo são super compreensivas e sempre levam na esportiva – Porra Raquel, se não fosse você e se eu não te conhecesse, já mandava à merda...

Mas a pior de todas foi essa: uma vez, no intervalo da faculdade, comprei um café expresso e me sentei para conversar com uns amigos, papo vai, papo vem, café esfria, eu converso, gesticulo e por fim, o café esparrama-se por toda a minha cabeça! Que coisa ri-dí-cu-la, esqueci que estava segurando um café e o virei em mim!

Essa deficiência já me rendeu algumas situações engraçadas e outras constrangedoras, confesso. Mas agradeço aos médicos por darem uma nomenclatura a algo que poderia ser considerado pura idiotice, valeu!

22 de outubro de 2009

fugiu da memória..

Ontem, antes da minha siesta, tive uma idéia genial de postagem para este blog, mas deu preguiça de escrevê-la. Lembro-me apenas de repeti-la na minha cabeça para lembrá-la após o sono, mas não funcionou. Fica aqui uma incompleta memória póstuma desta idéia e um desabafo de alguém que está tentando, com fracasso, lembrar de algo que ia falar. Ainda bem que os pensamentos não são iguais as pessoas, eles ressuscitam. Se isso acontecer, prometo que irei postá-lo aqui. Enquanto não o lembro, aceito sugestões de publicações.
Gracias.

20 de outubro de 2009

Há escritos grandiosos demais para serem julgados por ordinários mortais, nos quais eu me incluo. Um deles é "Grande Sertão: Veredas" de João Guimarães Rosa, o bruxo ou o gênio (fica a critério do leitor).
Segue abaixo um trechinho que me toca e é bem conhecido:

“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”
 
Lindo!

18 de outubro de 2009

Leito

Eis o momento de desalinho:
dou um estalo com os lábios
tingidos pelo vinho
seguro seu queixo
sinto teu hálito quente
na minha boca rubra,
sabor do beijo que me acende.

O nosso cobertor não
é algo que se emende
santuário perfeito
para nosso sacrifício
amor e vicío.

Como tiras de cetim em cabelo liso
as mãos escorregam nas coxas redondas
miro risonha as carícias que mostram
as escondidas malícias.

Somos benignos até
nessas horas de maldade
presentes unidos contemplamos com vaidade
nossos corpos atados.

As horas não cabem na nossa vontade
e a noite não têm piedade
aos poucos ela se esvai
e os raios que tingem nossa pele
acabam com nossa quentura de paixão
em mim florece a amargura da separacão.

16 de outubro de 2009

Lugares-comuns e frases feitas


- Acabar-se o que era doce
-Águas passadas não movem moinhos
-Procurar agulha em palheiro
-Amanhã será outro dia
-O amor é lindo
-Com o passar dos anos
-Dar o ar de sua graça
-Rodar a baiana
-Filho de peixe, peixinho é
-Tal pai, tal filho
-Presente de grego
-A noite é uma criança
-Recordar é viver
- A verdade que não quer calar
-A vida imita a arte
-Ser um zero a esquerda
- Cantar vitória
-Entrar de gaiato
-Custe o que custar
-Vale o quanto pesa
-Dormir no ponto
-Onde a porca torce o rabo
-Sentir um frio na espinha
-Dizem as más linguas
-Preço camarada
-Minha vida é um livro aberto

WERNECK, Humberto. O Pai do Burros. Porto Alegre: Arquipélago, 2009.

15 de outubro de 2009

Des-amor

Olhos nos olhos
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
Chico Buarque
Você em mim, sobrou
Eu em você, faltou
Agora sei que aquele tanto
Que acumulou todo o meu pranto
Quando você se ausentou
Era decepção por
Um palhaço que se apresentou

Dos meus versos com paz
Minhas carícias, meus ais
Só ficou o que te interessou

Suas promessas de um lar,
Nosso filho, um altar
Eram todas rasgadas
De uma novela sem alma

Agora não é mais
Procure alguém rapaz
Que ocupe a sua platéia-muda
Para você se afirmar
Sem alguém para falar o que
Há no compasso orgulhoso
Do seu ritmo (des)harmonioso

Se eu olhar pra trás
Vou sorrir, sem mais
E te agradecer
Pelo único gesto
Que me agraciou nesse tempo todo perdido
Nos teus braços de bandido
Gesto de sair e se revelar
Numa face de noite e
Secura de um canalha coitado
Que agora vive todo amargurado.

13 de outubro de 2009

Sobre o muito falar

Até o estulto, quando se cala, é tido por sábio, e o que cerra os lábios, por sábio
Provérbios de Salomão
 Com essa onda de pessoas expondo os seus corpos e suas vidas tão abertamente, a individualidade e a discrição tornaram-se coisas raras, vejo muitas pessoas que não falam por ter algo a dizer mas porque precisam falar alguma coisa e necessitam externar seu interior baseadas apenas na sua insensatez. Isso me faz lembrar de um provérbio que meu pai constantemente repetia para mim quando era pequena "Como maças de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo".

Nesse fim de semana ví uma mulher que falava absurdamente alto, gritava com todos que estavam com ela, dava palpites escandalosos e obviamente atrapalhava a todos que, como eu, desejavam escutar nada além do barulho do mar e ler um livro. Observando-a, lembrei-me e concordei com algo que li da Clarice Lispector, que a beleza da mulher é afirmada ou constituída na sua discrição. Uma mulher que aos padrões estéticos é considerada bonita em alguns minutos fez-se feia e pública . Mas ela não é uma exceção, cada vez mais tenho visto pessoas assim, querendo chamar a atenção para si por meio de escândalos ou falações interruptas.

A minha avó foi um exemplo de beleza e elegância, era mulher muito humilde que desde cedo trabalhou para ajudar a família, não tinha roupas de grifes, todas eram criação própria ou herança da sua mãe, não usava adornos e nem sapatos caros, se foi o centro das atenções numa conversa é porque a colocaram ali e da sua boca só saíam elogios finos e palavras construtivas, até mesmo quando o alzheimer já lhe roubava a razão. Foi uma mulher que preservou sua individualidade e que era admirada por todos não só pela elegância mas por todas as outras qualidades evidentes que possuía. Parece que as virtudes ficam mais aparentes naquelas pessoas que não se esforçam para mostrá-las e que sabem o momento certo de falar e calar.

8 de outubro de 2009

Poema de cabeceira

Recentemente conversei com um amigo sobre as coisas cuja repetição não é fatigante, pelo contrário, é por meio desta que elas se tornam mais valorosas para nós, como se fossem um rito, um exemplo disso é pedir o mesmo prato todas as vezes que vamos num restaurante, ou aquela camiseta que já está surrada de tanto usarmos, uma marca de xampu, um doce que vende na porta da faculdade ou até um amor jurássico que nunca temos “coragem” de abandonar. Essa poesia da Cecília Meireles é um desses casos de repetição meu, o livro está até marcado na página dela, de tanto que a leio. Por achá-la uma boniteza quis compartilhá-la com vocês, repitam a leitura à vontade!

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

Cecília Meireles

4 de outubro de 2009

Reflexo

Me olho no espelho para buscar beleza que me faça ser merecedora tua, tudo o que vejo é efêmero, os traços no meu rosto fazem-me lembrar da parábola dos vinhos novos em odres velhos, só que ao contrário.

Das coisas que vivi, sei que guardei bem o que podia aprender e sei também que faltam saberes por outras que não experimentei. Os desgastes do dia-a-dia passam pelas minhas linhas de expressão como se fossem águas correndo entre as pedras, e dessa maneira, vão moldando os seus caminhos durante os anos.

Já fui sertaneja sem visitar o sertão, já fui arguta, já fui ardilosa, já fui arcaica, já fui pagã, já fui santa, já fui vidente, já fui amada, já fui odiada, já fui feliz, já fui triste, já fui noite e já fui dia, de todas as coisas que passei , tentei guardar meu coração, em algumas um pouco me deixei e de outras me separei.

Sou assim como me vê, mas não fixe essa imagem, pois tudo passa, e essa que é hoje, amanhã poderá será outra, que depois de amanha será outra, e outra, e outra, outra...

Não me importa mais a vagueza dos acontecimentos, me prendo nos símbolos, esses sim me dão alguma felicidade. Com eles eu abaixo a cabeça para fazer uma oração, sorrio sem falsidade para as pessoas, coloco flores nos livros, escrevo cartas e peço bênça prá vó. Descobri que não me basto, mas para alguém posso ser o suficiente. Se não te sirvo, me descarte e saia logo de mim, mas se quiseres minha companhia até no meu silêncio, me entrego a ti sem fim.

2 de outubro de 2009

2 Parágrafos sobre: Fé x Emoção



         Esses dias conversei com o Fabinho sobre razão x emoção e ele fez uma citação do C.S Lewis que gostei muito, é mais ou menos assim: "De um lado está a fé e a razão e de outro a emoção e a imaginação". Achei tal afirmação muito sensata e verdadeira, cabe bem para confrontar a atual realidade das igrejas, que atiçam o emocional de seus fiéis para obterem audiência e lucro, sendo que a verdadeira fé nada têm a ver com as emoções e sim com a certeza daquilo que não se vê.
         Na minha opinião, a manifestação de toda fé concreta se dá no racional, pois as emoções são provocadas pelo visível e pelas sensações, e fé não é algo que se sinta, é escolha, assim como o amar, quando num certo estágio acaba o fervor da paixão inicial, os desejos e passa a ser uma escolha de se dedicar a pessoa a quem este se destina.

1 de outubro de 2009

Tia Sil

Ontem minha mãe me acordou cedo e falou algo que custou para eu processar: a tia Sil morreu.
Doeu fundo essa notícia, pensei que o mundo perdeu uma pessoa maravilhosa.
Sem falar muito, arrumamos nossas coisas e fomos direto para a praia, onde seria o velório e o enterro.  Quando chegamos lá, ví um monte de rostos conhecidos e queridos, não tive vontade de cumprimentar ninguém, fui direto aos filhos e os abracei com compaixão, sofri junto a dor deles, porque a Tia Sil era como uma mãe para mim .
 Passei muitas férias da minha vida na casa dela, comi seus bolos maravilhosos, dei muitas risadas com ela, fui cuidada por ela, apresentei os namorados que já tive, ouvi histórias e contei algumas também... No velório, o Márcio disse que generosidade era a palavra certa para a tia, e todos que estavam ali presentes, eram muitos, concordaram.
 Nunca ví mulher tão generosa como ela, a criançada do bairro vivia na casa da tia, ela brincava, conversava e dava bolo,aliás, nunca vi aquela casa vazia. Para ajudar os moços que trabalhavam nas obras, ela pegava as roupas deles e as lavava. Os meninos viviam dizendo com um sorriso largo "a tia cuida da gente". No começo desse post eu disse que o mundo perdeu uma pessoa maravilhosa, porque a tia Sil era uma raridade, hoje as pessoas estão mais preocupadas em ganhar do que doar, ao contrário disso, ela foi uma pessoa que se doou a vida inteira e que "amou ao próximo como a sí mesma".
 Têm uma parabóla do bom samaritano, que diz que certo homem foi roubado e agredido por ladrões, ele ficou semi-morto, perto dele passou um grande lider religioso e este, vendo-o caído no chão, passou ao largo. Logo depois, passou um Levita, aquele que cuidava de todas as atividades no templo, vendo o homem debilitado, também se afastou. Certo samaritano que passava, compadeceu-se dele, tratou-lhe as feridas, levou-o para um hospedaria e deu um dinheiro ao hospedeiro para cuidar do homem que nem conhecia. A tia Sil foi uma boa samaritana, não importava quem, ela estava sempre disposta a ajudar.
 Dizem que reconhece-se as pessoas boas pelos bons tratos que elas têm com os animais e as crianças, pois estes não têm nada a nos oferecer e são inofensivos. A tia era uma pessoa apaixonada pelos bichinhos e pelas crianças, ela cuidava destes com todo carinho e amor.
 Ontem nós choramos e lamentamos, mas no céu teve uma grande festa com bolo e muitos ursinhos de pelúcia (que ela amava) para receber a menina Sil, de vestido e fita, pra brincar com toda a criançada de lá e contar as  histórias bonitas, que não foram poucas, que viveu nessa terra.