18 de novembro de 2009

De repente


Para o Daniel.


Numa hora solúvel
Num Repente
Veio.
Senti na pele
o minuto que juntou
o instante ao acaso.

Circunstância e necessidade
casaram sem cerimônia
ao pé duma árvore.

O que era talvez
Momento não escolheu
Pra ficar
Pra fincar
Coração de susto, estacou
e você ficou.
O vento soprou com a sorte
fizeram da semente:
Flor.

O que então era gris
tingiu de anil.
O céu não acaba.
Dura tudo que tem raiz.

Raquel Costa

6 comentários:

camila disse...

que graça raquel!

Unknown disse...

Muito obrigado Linda, de verdade!
Adorei a forma como percebeu e descreveu. Lindo demais!
Agradeço à Deus por ter colocado você na minha vida.

Te adoro!
Beijo.

Unknown disse...

Po, eu eu tava do lado pensando em sei lá o que quando aconteceu!

Carlos disse...

1 -Interessante a correspondência entre o quadro e o poema. Diria que a ternura que se apresenta no quadro, com o uso das cores bem leves e com desenhos até pueris já nos situa do teor do poema.

Bom, mas falemos dele. Começa com a constatação de um momento "solúvel" que vem "num repente", duas expressões que nos chamam atenção para o caráter inusitado que virá, até separado para destacar, no terceiro verso.
Mas, é ainda importante notar como
intrigante é a palavra solúvel, uma vez que um de seus sentidos é o de designar a capacidade de uma substância dissolver-se em outra, sendo que uma delas precisa ser líquida.

Assim, poderíamos dizer que a hora solúvel, que também é música (caracterizada pela palavra repente, que tanto sugere a expressão " de repente" como também um dos ramos da tradição musical brasileira) aparece, causando todo o alumbramento do ser que a acolhe.
Neste sentido, este ser identifica esse "escorrer" do tempo, meio água-música, como "o minuto que juntou o instante ao acaso".

Aqui, nesta estrofe, vemos a importância do tempo que flui desde o primeiro verso, fazendo uma espécie de gradação semântica, desde o princípio, isto é: hora, minuto, instante; entremeados, por sua vez, por elementos que estão ligados ao tempo, ou pelo menos a uma tomada de consciência advinda do repentinamente de tal tempo - repente, acaso.

A partir disso, podemos indicar que a primeira estrofe é a constatação de que alguma coisa, ainda não colocada no poema, veio e trouxe consigo a sensação de mescla entre instante, momento que acontece e é definido (ou quem sabe definitivo), pontual, ao acaso, que é aquilo acontece sem que se possa prever, e é por isto mesmo, não pontual.

Carlos disse...

2- Após isto, o escorregar, o fluir do instante traz a percepção do que ele constitui, ou seja, circunstância - elemento que está dentro do campo semântico do acaso - e necessidade elemento novo que traz a possivel conotação de que este instante casual, na verdade, já era de alguma forma esperedo ou, ao menos, desejado.

Assim estas atribuições daquilo que "veio" fazem uma espécie de contrato - "casar"- , porém, "sem cerimônia" (expressão esta que é usada na linguagem corrente para quando se quer dizer que algo deve ser feito sem muitos floreios ou cheio de regras, ou ainda, sem demora). Esta sem cerimômia está ainda mais expressa quando vemos que tal casamento se dá "ao pé de uma árvore" lugar amplamente profano, ou melhor ainda, comum, habitual.

Já na terceira vemos uma outra configuração. Aquele "momento" registrado nas estrofes anteriores parece aqui ser colocado em outro patamar, isto é, não mais como uma o principal, como anteriormente, mas, em lugar dele, o que veio a ser principal é exatamente um "você".

Desta maneira,o momento não escolheu "ficar" ou "fincar' (paronomásia interessante que aumenta o sentido do pontual do acontecimento),mas para além disso, ele, que seria apenas um determinado instante que se obliteraria, torna-se, em verdade, mais do que a presença breve de algo. É através do coração, que toma um susto e estaca, que o momento vai-se embora, para constitui a presença duradoura - esta que sí do abstrato do tempo e cai no materialismo do corpo, presente no amado que ficou, em detrimento do fugaz que se foi.

Após este trecho cheio de c e t, que parecem ressoar no sentido, uma vez que eles daõ uma certa "dureza" ao verso, provocando uma sisura bem marcada aos versos; surgem as fricativas ( s e f)apoiadas pelas nasais (en, om, am, men) que dão uma maior leveza aos versos seguintes, ressoando assim no sentido do trecho em que notamos o desabrochar da sorte, advindo do sopro do vento (também próximo do campo semântico de acaso). Poderíamos concluir, assim, que a terceira estrofe tem por objetivo mostrar como algo imaterial, como o momento e o vento (ou mesmo a sorte), podem se materializar em um corpo vivo, porém ganhando outra característica, não mais a fugacidade, porém a corporificação, a materialidade, a presença, a concretude.

Carlos disse...

3- Por fim, após a transformação da sorte em flor (isto é, da imaterialidade na forma e ,ainda, numa forma de vida e tida como bela ), chegamos a conclusão do poema, em que vemos que antes da presença deste "você", tudo se apresentava como "gris"- cor que dentro do quadro ocidental ilustra uma obscuridade, uma incertitude - e, após ele, esse tudo se torna anil, cor do céu, que por extensão de sentido da estrofe anterior, não acaba, isto é, é amplo, perene, longe da efemeridade das coisas.

No fim, do poema, então temos como que um verso lapidar. Ele é como que a síntese da "concretização" temporal dada na matéria(tanto do você, quanto na flor). Desta forma, vemos que tudo aquilo que está no campo do material, ou do visual , ou melhor ainda, tudo que está no campo da sensibilidade física e não no campo do abstrato ou metafísico é que pode durar.
O momento, então, vai se embora, porque ele não possui materialidade, ele não finca, ele não se alastra ou se firma, ele se esvai. Mas aquilo que tem raiz, fica, penetra o chão e se sustenta, como o faz uma raiz.

Creio que posso dizer que este poema é, além de uma espécie de declaração de amor, uma apologia a materialidade das coisas.

Você está cada vez melhor, Raquel.
Abraço.